O interesse e pelo ser humano em seus primeiros anos de vida ocupa um lugar considerável na sociedade contemporânea e nas pesquisas científicas. Entretanto, a preocupação com o estudo da criança é um fenômeno relativamente recente. No passado, não havia um conceito para designar a infância, ou mesmo uma diferenciação nas etapas no desenvolvimento da criança. Nesse sentido, não existiam restrições morais quanto a determinadas práticas que esses indivíduos poderiam exercer, já que esses não eram percebidos como sujeitos sociais.
A origem etimológica da palavra infância é Infante, que significa sem fala, nessa perspectiva, a fase da infância seria caracterizada pela ausência da fala e de comportamentos esperados, considerados como manifestações irracionais. Já a palavra Criança, vem de criação e significa sujeito que se cria. Percebe-se então que essas definições referentes ao sentido etimológico das palavras, não são suficientes para abarcar todo o sentido e significado que esses indivíduos vêm construindo na sociedade contemporânea.
A CONCEPÇÃO DA INFÂNCIA EM TRÊS FASES
De acordo com o educador Franco Frabboni, a construção da concepção da infância desmembra-se em três diferentes fases: a infância negada ou a criança adulto, até o século XV, a infância industrializada do século XVI até meados do século XVIII e por último, como ela é entendida na contemporaneidade, a criança de direitos ou a criança sujeito social.
PRIMEIRA FASE
Segundo Philipe Ariés, a infância não possuía espaço na sociedade medieval, ela era ignorada e vivia as margens da sociedade. As artes por exemplo, desconheciam as crianças, representando-as como mini adultos, muitas vezes de mãos dadas com a morte, em alusão a alta taxa de mortalidade infantil. A criança não era considerada como um ator social, ou seja, um sujeito de direitos. Faziam parte das mesmas atividades que os adultos, incluindo orgias e enforcamentos.
As consequências desencadeadas por meio dessa concepção eram manifestadas por problemas de saúde, uma alimentação inadequada, falta de atendimentos e acidentes causados por falta de cuidados. Elas eram desprezadas e mal vistas e se sobrevivessem até os 7 anos, quando começavam a compreender o que os adultos diziam, já passavam a se preparar para a fase adulta e para o mercado de trabalho, tornando negligenciado um período de suma importância na formação adulta.
SEGUNDA FASE
A marcação do início da segunda fase não é exata, assim como os acontecimentos que a seguem não ocorreram de forma linear. Eles se deram a princípio em meninos de altas classes e com o passar do tempo se estenderam para outras crianças. Foram ocorrendo mudanças de forma lenta e gradual na medida em que religiosos e educadores passaram a não aceitar ações comuns e adotaram uma nova postura frente as crianças que começam a ser percebidas como seres frágeis e puros. A mudança de paradigma, no que se refere ao conceito de infância, está diretamente ligada ao abandono da crença de que as crianças eram adultos imperfeitos.
A partir da revolução industrial, entre os séculos XVI e XVII, surge a concepção de família moderna e afetiva que possuía a criança como foco do interesse dos adultos, surgindo assim um maior ímpeto na educação dessas crianças. Essa mudança de postura resultou no reconhecimento da criança como parte da continuidade familiar, além da criação de escolas como um espaço destinado para indivíduos dessa fase do desenvolvimento. fase adulta. A partir dos 12 anos elas já eram vistas trabalhando em fábricas, muitas vezes devido ao valor reduzido de sua mão de obra.
TERCEIRA FASE
A terceira fase tem início no século XIX e perpetua até a atualidade. Nela, a criança passa a ser vista sob uma outra ótica, com suas individualidades, demandas e potencialidades. Atualmente a criança é compreendida como sujeito de socialização de conhecimento e de criatividade. O Estado passa a ter responsabilidade sob as crianças, junto com a família e a sociedade, resultando em avanços na legislação que visam a manutenção e garantia dos direitos da criança, como por exemplo a Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394 de 1996, Plano Nacional da Educação (2011-2020), além disso, diretrizes curriculares também passaram a ser organizadas e apresentadas com seu escopo voltado para as especificidade das crianças.
PARA REFLETIR…
A compreensão dessas perspectivas possibilita uma crítica sobre a contemporaneidade, onde é visível um avanço sobre o entendimento da infância e da criança, mas que também perpassa por um mundo de injustiças e direitos negados. É imprescindível o entendimento de que crianças são parte fundamental da sociedade, sendo elas atores sociais e produtoras de cultura. São indivíduos que possuem outras formas de saber e de significar a vida, sendo esses tão consideráveis quanto à forma dos adultos. A escuta e a consideração sobre o que as crianças tem a dizer são de extrema valia, colocando-as em um lugar de equidade. Deve-se compreender que a criança tem direito a uma própria identidade individual, cultural e social, não podendo essas serem negadas ou negligenciadas por qualquer razão. Nesse sentido, é nosso dever social lutar e garantir que as crianças vivenciem uma infância sem nenhum direito negado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:
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